Desde ontem. Um silêncio arrepiante. Uma indiferença. Uma ignorância. Nestas alturas pergunto-me se estou aqui. Estarei aqui? Se estou, não parece que estou. Se estivesse não havia silêncio. Havia ternura e carinho. Não havia indiferença. O problema é que estou. E ele não vê. Está ocupado demais para ver. Está ocupado demais para se preocupar em ver. Às vezes penso que é um descuido. Penso isto quando por trás penso que é mesmo assim, que não há remédio. Será sempre assim. Estarei aqui e ele lá. A única diferença é que o silêncio a mim perturba-me e, quando lhe digo, parece sempre ficar perturbado.
Fiz-me entender?
" Silêncio!
Do silêncio faço um grito
O corpo todo me dói
Deixai-me chorar um pouco...
Solidão!
Que nem mesmo essa é inteira...
Há sempre uma companheira
Uma profunda amargura "
Amália Rodrigues, Grito
Esta é a Duca. A partir de hoje, esta era a Duca. A Duca morreu hoje, dia 7 de Fevereiro de 2009, depois de ter vivido connosco durante 13 anos. A Duca veio viver cá para casa depois de ter sido encontrada escondida a fugir dum cão. Nunca nos demos bem, tinha um feitio complicado. Poucas eram as pessoas que lhe faziam festas. Mas ultimamente, ultimamente a Duca deixava que todos lhe fizessem tudo. Pedia mimos e festas a qualquer um. A Duca já tinha dificuldade em trepar para a cadeira onde gostava de dormir. Hoje a Duca estava estranha. Não comia, não miava, apenas permanecia deitada no sofá. As donas levaram a Duca ao veterinário, achavam-na muito triste. Demoraram 4 horas. As donas já estão em casa, mas a Duca foi para um sítio diferente.
Adeus piolha
...E olhem que já foi mais fácil alcançá-lo.
Estou:
- cansada;
- carente;
- angustiada;
- nervosa;
- triste;
- chateada;
- aborrecida;
- ansiosa;
- irritada;
- com saudades;
- sem vontade própria;
- frustrada;
- pensativa;
- emotiva;
- farta de tudo;
- de rastos;
- a morrer.
As coisas não estão bem.
E agora?
Ná, não me estou a adaptar a tanta mudança.
"Não quero, não quero ter que me levantar agora. Não hoje, não, nunca! Porquê? Para quê? Não quero ter que te acordar, dormes tão profundamente aqui...Ainda é cedo. É sempre cedo quando me separo de ti. Vamos ficar a dormir juntos para sempre, o mundo lá fora não precisa de nós."
Depois deste pensamento inultimente tive que me levantar, acordar-te, e dar início ao dia que eu não queria que existisse nunca. Sempre que ele chega começa da mesma maneira: os dois em silêncio, raramente os nossos olhares se cruzam, até chegar uma altura em que nem eu nem tu conseguimos conter as lágrimas e nos agarramos, apertamos à espera que o mundo pare e fiquemos assim.
Depois do pequeno almoço e arrumar as coisas, levou-me até à estação do metro. Faltavam precisamente 30 minutos para o próximo metro e 45 para o comboio que me levava de volta. Ligou ao pai para ver se nos podia levar à estação. Lá fez esse favor. Quando chegámos faltavam precisamente 3 minutos para a partida e ainda tinha que comprar bilhete. Largou a minha mão e correu para a belheteira. Voltou rapidamente, faltava 1 minuto. Entregou-me o bilhete e deu-me um curto beijo. A porta fechou-se separando-nos por tempo indeterminado.
Ontem a noite estava perfeita. Tu estavas lindo, eu presa nos anos 40. Brincávamos juntos como crianças, olhávamos um para o outro radiantes, olhos a brilhar, tão felizes por nos termos ali um ao outro naquele ambiente estranho, com gente estranha, vestida de forma estranha. Desligámo-nos do que se passava à nossa volta, fizemos questão que aquela noite fosse só nossa. Jantámos juntos, à luz tremida das velas, rimos das etiquetas, dos modos, da "boa educação". Estávamos únicos e perfeitos, a meu ver. Dizia-se que era altura da dança. Descemos até ao salão, pensava que agora iria cair nos teus braços e rir como uma louca enquanto rodopiavas comigo pelo salão fora. Pensava. Agarrei-te pelo braço e gritei "Vamos!" Não vieste, não querias vir. Parei e olhei-te com olhos tristes, "porquê?" Não querias, simplesmente não querias. Chorei, chorei tanto. Chorei porque não querias dançar comigo, porque não querias ser mais louco ainda. Fugi para o jardim e chorei. Queria ir-me embora dali. Estava tudo perfeito... Vieste ter comigo sem explicação, gritei contigo, esperneei. "Esta noite era para ser perfeita!E tu estragaste-a!" Não me lembro de me sentir tão triste, tão oprimida. Sim, oprimida, sentia que me tiravas a liberdade toda. Não me deixavas rodopiar nos teus braços no meio de toda a gente. Não deixavas que toda a gente visse que nos amamos. E agora toda a gente via que estávamos a discutir, e pensavam "Eles não são perfeitos!" Todos dançavam, todos riam, e eu chorava e gritava contigo. E tu beijavas-me. "Desculpa" disseste tão baixinho que mal ouvi. Não sei se o sentias, no fundo.
Voltámos para dentro, limpaste-me as lágrimas, agarraste na minha mão e fizeste-me rodopiar no meio de toda aquela gente. Os teus lábios encostaram-se aos meus. Olhaste para mim e disseste um doce "Amo-te". E eu, pergunto-me. Eu abracei-te com força e disse-te ao ouvido "Eu também".